sábado, 29 de setembro de 2007

Outono

Gosto do Outono.
Lá fora, a chuva canta nas janelas e o vento vai cantando quando passa pelas ameias do castelo. Quem passa pela rua arrepia-se com o vento frio que chega da Figueira e aperta um pouco mais o passo para chegar a casa. Quase que dá para sentir o cheirinho das lareiras que em breve se começarão a acender por toda a encosta.
Cá dentro o calor de casa, um chá quentinho com torradas no conforto do meu quarto, de janela rasgada sobre os campos do Mondego, e o meu gato, preguiçoso, aninha-se no meu colo e ronrona reclamando por mais mimos ao som de "Claire de Lune".

Gosto do Outono.
A sua chegada é o início de um novo ano lectivo (meu Deus, como gosto daquilo que faço...), cheio de esperanças e expectativas: dos alunos em relação à escola, minhas em relação ao que poderei fazer pelos meus alunos.
Quando vem prenuncia com doçura os dias Invernosos que fustigarão cidades e gentes, como que a amaciar o caminho para tão dura estação...

Gosto do Outono.
É como um regresso às origens mais íntimas de nós mesmos. Pouco a pouco vou-me tornando mais íntima de mim mesma, vai-se instalando a saudade do que passou e aumentado o desejo (mas também o receio) pelo que virá. Mas ao olhar para o meu gato dou-me conta de que o melhor mesmo, no Outono, é gozar com displicência estas tardes chuvosas ou douradas, aproveitar o conforto dos dias com o aroma de um bom chá e fechar os olhos de mansinho para me deixar levar pelos acordes mágicos de Debussy.



sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Devaneios

Com o fim da tarde veio o vento frio que prenuncia a chegada da nova estação. Só a noite me trouxe algum calor.

Foi por ela que no meu íntimo esperei todo o dia, na ânsia de me poder abandonar ao seu manto quente de veludo negro. Ao chegar, é como se em mim o frio da tarde tivesse desaparecido por completo e a luz do luar que enche o céu também transbordasse dentro do meu quarto, iluminando mesmo os seus mais escuros recônditos. Somos um só ser, eu e a noite, unidas como prolongamento de uma só coisa, sem princípio nem fim, irmanadas numa dança interminável, ao som de uma música que só pode ser sentida mas não escutada.

Gostava de saber como me vê ela a mim quando chega, se sonhará sequer o quanto é desejada quando vem e a angústia que me domina quando vai... O meu inimigo é o tempo, que insiste em trazer a aurora, a luz cruel do novo dia que me leva este céu nocturno e me deixa abandonada a mim própria e à solidão de ver partir com a noite um pedaço de mim.

Um dia, como Faetonte, serei capaz de roubar o carro de Helios, travar a passagem do tempo e ver fugir assustadas as horas, deixando-me ficar protegida pelo negrume deste abraço eterno e infindável, que permanece mesmo para além do espaço e do tempo.


sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Ballada para un loco

Para ti, amigo,

que sonhas mais alto do que o próprio sonho permite,
que achas que o mundo pode ser sempre um bocadinho melhor,
que ergues bem alto as garras da tua indignação perante o socialmente instituído,
que destróis com a tua lança de cavaleiro os moinhos dos gigantes deste país,
que constróis castelos nas nuvens mesmo quando te voltam as costas,
que não desistes de acreditar na bondade das pessoas,
e que estás sempre pronto para estender uma mão generosa.

Para ti, que me inspiras a sonhar mais alto,
me ensinas a ser mais do que eu,
a lutar por ideais nem sempre atingíveis,
a acreditar sempre, mesmo perante contrariedades intransponíveis,
e que o que importa não é a conquista, mas a luta.

Obrigada.


De Astor Piazzolla:

Y, así diciendo, El loco me convida
A andar en su ilusión super-sport,
y vamos a correr por las cornisas
¡con una golondrina en el motor!
De Vieytes nos aplauden: “Viva! Viva!”,
los locos que inventaron el Amor;
y un angel y un soldado y una niña
nos dan un valsecito bailador.

Nos sale a saludar la gente linda...
Y El loco, loco mío, ¡qué sé yo!,
provoca campanarios con su risa,
y al fin, me mira, y canta a media voz:

Quereme asi, piantao, piantao, piantao...
Trepate a esa ternura de locos que hay en mi,
ponete esa peluca de alondras, y vola!
Vola conmigo ya! Veni, vola, veni!

(tradução para inglês em http://www.planet-tango.com/lyrics/bal-loco.htm)

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Mouraria

Não é só em Lisboa que existe a Mouraria. Em quase todas as nossas cidades e vilas históricas existem pequenos bairros aos quais se confinavam estas minorias que mantinham viva a cultura que lhe era própria numa pátria que não era a sua...

Na Mouraria, em Évora, já não há mouros. Resiste apenas o espírito de comunidade, como uma aldeia dentro da cidade. Somos uma família, e quem vem de novo passa a fazer parte desta "ilha" de afectos, onde todos se conhecem e se cumprimentam, onde as tristezas de uns são as tristezas de todos, onde as alegrias de outros são compartilhadas por quem as não tem. Há sempre braços para dar uma ajuda, um sorriso para alegrar o dia, um piropo inocente para a amiga que passa.

Gosto de aqui morar. É como se estivesse no meu Montemor (não o novo, mas o velhinho), nas ruas do castelo que me lembram que também aquela foi terra de mouros e que talvez sangue gentio ainda me corra nas veias...

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Nós e... os outros

O Dalai Lama visita Portugal. Mais uma vez temos entre nós o Prémio Nobel da Paz, que não será recebido pelos representantes do Estado Português. Gostaria de saber porque é que os nossos governantes recebem personalidades como George Bush, líder de um país hipócrita, imperialista, manipulador, mentiroso, com um poderio baseado no medo sustentado no seu superior poder bélico sobre os países que não têm capacidade de resposta...
E o Prémio Nobel da Paz, principal representante de um país onde os direitos humanos são frequentemente cilindrados por outro país invasor e opressor, bélico e esmagador sobre quem vive de uma forma tão pacífica. Tudo isto por causa das "nossas" relações diplomáticas com a China. Nossas... minhas não são concerteza, se implicam tal posição. Vergonha nacional!!!

Lhasa, Tibete (Após a invasão chinesa)

Recebemos os líderes espirituais da Igreja Católica, do Judaísmo, do Islamismo... e o Dalai Lama passará incógnito. Afinal de contas, não somos nós um país tolerante e aberto de igual forma a todas as religiões?
Até as pedras do chão se levantarão para saudar uma personalidade tão marcante da sociedade mundial, que passará incógnita para os nossos governantes, mas que espalhará toda a sua luz sobre o país que, à revelia de tal governo, o receberá de braços abertos.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Shhhh...

"As pessoas só se permitem ficar caladas um bom bocado e desfrutar o silêncio entre dois quando estão juntas, uma ao lado da outra."

Pedro Juán Gutierrez


Não conheço nada tão eloquente como o silêncio. Existirá melhor forma que esta de conversar com alguém? As palavras de nada valem se não forem sentidas, e nem sempre o que sentimos cabe nas palavras que são proferidas.

Por isso o melhor é estar calado. Dar asas à imaginação, aos sentimentos, à cumplicidade, à amizade, ao simples gosto da presença do outro. Às vezes basta isso para afastar todos os problemas do mundo, por maiores que eles sejam. E diz-se tanto com um olhar, com um gesto, um abraço, ou de olhos fechados, sem ver nem tocar, com a certeza de que estamos em sintonia...

Vésperas

Desta vez o tempo não se deteve no seu caminho. Pelo contrário, voou, negando-me o que há muito ansiava...

A noite veio de mansinho mas trouxe consigo a luz de um céu agitado por clarões de raios abrasadores. Embora esperando a doçura de uma noite de estio, ainda assim fui envolvida nesta tempestade e arrebatada do mundo terreno para onde nada mais existe senão eu e a própria noite, unidas como se de uma só coisa se tratasse.

Mas, ai de mim, foi fugaz a minha sorte e o meu encanto, pois o tempo cruel acelerou o seu passo, fez chegar a madrugada e com ela a solidão da despertina que substituiu no meu infortúnio o encanto nocturno que passou...


domingo, 9 de setembro de 2007

A Feira do Ano

É talvez o meu dia favorito do ano (a seguir ao Natal, claro)! Em Montemor respira-se ar de festa. Famílias inteiras de lugares próximos (e distantes também) acorrem à vila para as festas anuais.
De manhã, somos acordados pelo som dos barateiros que vendem os melhores produtos do mundo pelos preços mais baixos do mercado, com uma lábia que nos convencem de que o que vendem nos é imprescindível. No ar mistura-se o cheirinho das farturas acabadas de fazer, pipocas quentinhas e algodão doce, e ao chegar o meio dia junta-se também o apetitoso aroma de frango assado para nos abrir o apetite para o lauto almoço que nos espera.
Os pregões ainda ecoam pelo ar, indiferentes ao passar do tempo e dos cartazes a anunciar meias "cada maço 5 euros" e se pararmos para escutar, é o choro da criança que pede um briquedo ou deixou fugir o balão, o riso de outra que corre contente atrás do camião que o avô acabou de dar, o regateio da mulher que acha que o preço dos tapetes está pela hora da morte... e as cassetes piratas, misturadas com as que não o são mas que passam todas por originais animam ainda mais a tarde.


Os carrocéis fazem as delícias de miúdos e graúdos, e todos se encaminham para a Feira do Cavalo, onde cavalinhos de brincar se confundem taco a taco com os Cruzados Lusitanos tão típicos da nossa zona, e quer uns quer outros se deixam afagar docilmente pelas mãos curiosas dos meninos que passam.

O gelado! O fabuloso sorvete vendido em carrinhos ambulantes, com aqueles cones duplos que só se encontram nas feiras. É o único sítio do mundo onde se consegue uma bola de gelado com todos os sabores misturados!!!!
E sou criança outra vez. Com o meu gelado na mão caminho docemente ao encontro da minha infância, em que era a minha avó que mo comprava depois de muito a massacrar com os meus pedidos insistentes e o meu avô me trazia aqueles fantásticos colares de pinhões, sempre acompanhados por uma linda boneca de plástico. Eu, e todos os pais e avós que levam as suas crianças pela mão e nelas revivem os seus tempos de mocidade nesta feira que encanta gerações...

sábado, 1 de setembro de 2007

Mudanças

Chega Setembro, e com ele um novo ciclo. Para trás, ficam as caras com que convivemos diariamente durante um ano. O coração aperta-se por deixar aquela convivência, pela saudade antecipada dos tempos passados com as companhias que se tornaram tão queridas. Outras virão: novas caras, novos amigos, novos espaços. Vamos prender-nos de novo e em cada sítio fica sempre um bocadinho de nós.

Começa o novo ano, adaptamo-nos e levamo-lo de bandeiras erguidas até ao fim. E em Agosto volta tudo ao mesmo.
Até quando...?